O Livro de Actos dos Apóstolos não é uma carta doutrinária, mas um documentário dos relatos das virtudes e das fraquezas da Igreja no primeiro século. Por isso, não é em Actos dos Apóstolos que devemos buscar o modelo de conduta para as nossas vidas, mas nas epístolas de Paulo. E, em caso de "suposta" divergência na narrativa dos factos históricos, ou mesmo omissões, a base para a compreensão da verdade de Deus são as epístolas do Apóstolo Paulo. Elas é que contêm a revelação da nossa regra de fé.
O Livro dos Actos dos Apóstolos descreve a suspensão do programa profético e da Profecia (com a introdução da Dispensação do Mistério) e o início do programa do Mistério:
(1) primeiramente relata a demonstração da graça de Deus em salvar Saulo de Tarso;
(2) depois, relata a forma como Deus fez a revelação deste novo programa, i.e., relata a revelação do que Deus estava a fazer e como estava a fazer;
(3) por fim, relata a reacção das igrejas a esta mudança operada por Deus, ou seja, a reacção das igrejas à nova mensagem e propósitos de Deus: primeiramente das igrejas dos Judeus (crentes do Reino) e das igrejas dos gentios (depois de implantadas por Paulo na base da graça - muitas delas abandonaram os ensinos de Paulo.
Não é possível determinar ao certo as datas dos relatos feitos por Lucas no seu Livro dos Actos do Apóstolos, porquanto as notas cronológicas do Livro são poucas e vagas. Para termos alguma precisão tomamos como ponto de referência alguns relatos feitos por alguns historiadores seculares, como sejam Josefo e Tácito.
A maior dificuldade encontrada tem sido em fixar a data da conversão de Saulo de Tarso. As datas têm sido apontadas desde 31 AD (Bengel) até 42 AD (Eusébio); esta última muito improvável, pelo conhecimento que temos do relato e da cronologia profética, que terá sido suspensa por Deus no primeiro ano da última semana de Daniel 9. Ou seja, de acordo com o relato das Escrituras e dos testemunhos históricos, o cumprimento a Profecia nunca chegou à grande tribulação, propriamente dita (os sete anos da grande tribulação, especialmente os últimos três anos e meio). Além disso, e contráriamente ao que muitos pretendem dizer, a destruição de Jerusalém, no ano 70 AD, pelo Imperador Tito, nunca foi cumprimento da Profecia: seja pelos factos, seja pela data. A Escritura fala de 7 anos de tribulação e não de 70 anos! Além disso, o Senhor não veio, como está profetizado acontecer logo a seguir à grande tribulação.
Vejamos alguns factos da história secular, referidos pelo autor do Livro dos Actos dos Apóstolos que servem de ponto de convergência: A fome que se instalou no Império Romano em 41 AD (Actos 11:28), confirmada pelo historiador Josefo; A morte de Herodes Agripa I, em 40 AD (Actos 12:23); Expulsão dos Judeus de Roma em 49 AD (Actos 18:2), no reinado de Cláudio César; A designação de Pôncio Festo como Procurador da Judeia por Nero, no Outono de 60 AD (Actos 24:27). Paulo terá chegado em Fevereiro do ano seguinte, em pleno inverno, a Roma.
Por outro lado, há relatos efectuados pelo Apóstolo Paulo nas suas epístolas que nos ajudam a entender cronológicamente o livro de Actos, como sejam: (1) Gálatas 1:15-17, Paulo diz que, depois da aparição do Senhor no caminho para Damasco, foi para a Arábia, onde esteve 3 anos, e não para Jerusalém. Lucas é omisso quanto a isso. (2) Gálatas 1:18-21 diz que, passados 3 anos, Paulo regressou a Antioquia e foi a Jerusalém, onde esteve 15 dias. Lucas liz, simplesmente: "passados muitos dias" (Actos 9:23). Depois disso Paulo foi para as partes da Síria e Cilícia. (3) Gálatas 2:1-10 relata os episódios que parecem corresponder a Actos 15, ou seja, 14 anos depois de ter estado em Jerusalém pela primeira vez. (4) A contenda e separação de Paulo e Barnabé relatada em Actos capítulo 15:36-41 parece corresponder à descrição de Gálatas 2:11-21, onde o Apóstolo desvenda as causas da contenda e separação - desvio de conduta conforme a verdade do Mistério. (5) A referência às perseguições de Paulo na sua 2.ª viagem apostólica, em Filipos e em Tessalónica, narradas por Lucas em Actos 16 a 18, correspondem a I Tessalonissenses 2:1-2 e 3:1-8. (6) A estadia de Paulo em Éfeso (Actos 19), as dificuldades que lá passou (I Coríntios 15:32; II Timóteo 1:18), e o tempo que lá passou (Actos 19:10; conforme 20:31 e I Coríntios 16:8) foram de novo referidas por Paulo nas suas epístolas nos textos citados. (7) As referências feitas por Paulo a Apolo, na primeira epístola aos Coríntios 1:12, 3:4-6, 22; 4:6; 16:12, enquadra-se na descrição feita por Lucas em Actos 18:24-19:1, período correspondente à segunda viagem apostólica de Paulo. (8) A colecta das Igrejas da Macedónia e Acaia feita para os pobres da Judeia, referida em I Coríntios 16:1-9 e II Coríntios 8 e 9, bem como em Romanos 15:23-33, que se localiza no fim da terceira viagem apostólica de Paulo, quando se dirigiu a Jerusalém e foi preso. (9) A referência feita por Paulo na epístola aos Romanos, capítulo 15:23-24, à sua ida a Roma e Espanha, que se enquadra com o que Lucas escreveu em Actos 23:11.
Mesmo assim, encontramos algumas dificuldades em corresponder alguns relatos de Paulo e Lucas, quer pelo conteúdo, quer pelo tempo:
(1) I Coríntios 9:6 Paulo faz referência Barnabé. Parece estranho essa referência, uma vez que, Barnabé nunca foi companheiro de Paulo nas suas viagens a Corínto. E, como Lucas é omisso em muitos relatos da vida de Paulo, leva-nos a perguntar se houve alguma deslocação de Paulo àquelas regiões antes da separação deles em Actos 15:36-41?
(2) II Coríntios 12:2 relata a experiência de Paulo em ser arrebatado ao Paraíso, há catorze anos atrás. Por causa dessa experiência é dito que ele recebeu um espinho na carne (12:7-8). Tem-se feito a correspondência daquele espinho com a sua limitação física ao nível da visão (II Coríntios 12:1-10; Gálatas 4:13-15; 6:11). Aquele relato parece ter correspondência com o momento que o Senhor lhe apareceu no caminho de Damasco, descrito em Actos 9:8-19. No entanto, diz o Apóstolo: "à catorze anos" (II Coríntios 12:2). Se aceitarmos como definitiva a data da epístola fixada pelos historiadores em 54 AD, então aquela experiência terá de ser datada de 40 AD. Nessa altura Paulo estava em Antioquia ou na sua 1.ª viagem apostólica. Por isso, alguns datam essa experiência de Paulo na altura em que, na primeira viagem apostólica, em Listra, Paulo foi apedrejado e dado como morto (Actos 14:19).
(3) Outro facto que tem alguma controversia histórica é a prisão de Paulo em Roma, conforme descrito em Actos 28. A generalidade dos historiadores considera que, passados os dois anos em que esteve preso em Roma (de onde escreveu Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemon), Paulo foi libertado e foi a Espanha (como era sua intenção, conforme escreveu em Romanos 15:23-24), percorreu as regiões de Creta, Colossos, Macedónia, Corínto, Nicópolis, Dalmácia e Troas (conforme descrito em Tito 1:5; II Timóteo 4:10-13, 19-20). Depois voltou a Roma, foi preso e decapitado por mandato de Nero, em 68 AD. Neste período terá escrito as epístolas a Timóteo, Tito e Hebreus. Esta posição tem a ver com o facto de Lucas ser omisso em relação a esses percursos do Apóstolo. No entanto, para muitos outros aquela posição não é definitiva. Estes, acham que Paulo teve uma liberdade condicional, nos dois anos referidos em Actos 28:30-31, onde teve um ministério limitado e nunca terá saído de Roma. Neste período terá - se tanto - ido a Espanha e feito uma ou outra curta viagem, mas sempre tendo como sede do seu derradeiro ministério Roma. Neste período de dois anos veio a ser julgado e condenado a pena capital por Nero, por decapitação.
Para apoiar esta posição estão os factos de (A) Lucas ser omisso em muitos relatos da vida de Paulo, e estes seriam mais uns deles; (B) Paulo diz que deixou Trófimo doente em Mileto (II Timóteo 4:20), o que parece ser coincidente com a sua passagem por aquela terra, de acordo com a descrição de Actos 20:15-17; (C) Tíquico, o companheiro de Paulo (Actos 20:4), e que o acompanhou até Roma, foi o emissário para levar as epístolas prisionais aos Efésios (6:21), Colossenses (4:7) e provavelmente Filipenses e Filemon. Foi, por isso, enviado por Paulo a Éfeso. II Timóteo 4:12 também diz que Paulo enviou-o a Éfeso, o que parece ser coincidente. E, depois disso, nesta mesma viagem, terá passado por Creta a ter com Tito (Tito 3:12). (D) Outro facto que corre a favor desta posição é a Idade do Apóstolo Paulo. A data do nascimento de Saulo de Tarso é apontada como tendo sido a 2 AD. Isto quer dizer que, quando ele chegou a Roma teria entre 60 a 65 anos.
Considerando a vida de Paulo, as suas experiências, tribulações, perseguições, viagens, entre outras coisas, que são verdadeiramente desgastantes para uma pessoa, acrescido das precárias condições de vida que existiam na altura, Paulo estaria bastante desgastado (I Coríntios 6:4-10; 11:22-33). De Roma ele referiu-se a si próprio como "Paulo, o velho" (Filemon 1:9). Parece impensável que Paulo ainda percorresse grande parte da Europa do Sul, toda a Ásia menor e, ainda, voltasse a Roma para morrer!